Lá tá ele no meio da rua gordo, coitado, corpanzil estirado todo, sobre o asfalto sirenes inda ouço focos vermelhos e azuis ta ti ta ta ta ti tata Seu policial só uma pergunta falou o repórter Nada a declarar disse o polícia circulando, circulando. Não, seu doutor, desculpa aí, foi tão do nada, né Não vi não assim falou seu José De pedreiro cheio a mão. Um milagre que o carro sobreviveu! deu de comento a vendedora de pé de moleque apontando pra coisa carnuda redonda ceifada esfolada estirada na rua bloqueando o fluxo em plena contramão. Nem sangue saia do morto poeta. Consternação? ah, isso sim, mas sem choro que era poeta de pouca extensão. Sabe o nome? Não sei não, disse o ladrão apalpando no bolso da calça a magra carteira surrupiada do chão. Eu vi tu-tudo, eu vi tu-tudo disse o moleque que fedia a jornal e vivia enrolado em velha notícia abaixo do viaduto Teixeira Amaral. Ah, foi pouco o interesse Notícia de segunda mão. Te citou aqui foi quem? Disse o polícia e roçou o cacetete no coro do sabichão. Não parece um soldado o poeta abatido e surpreso em meio à batalha por bala perdida tombado no chão? Suspirou num repente Maria da Silva e João A dona da carrocinha balançando na direita churro quente na esquerda um pastelão. Mas só se for, pensou o gari no ele com ele e os devidos botões, bala calibre canhão. Ah era poeta o pançudo? E de alcunha? Hm. Aí não sei. Nunca ouvi. Mas todo dia morre gente aqui, meu patrão, é jornaleiro e jornalista é engraxate e sapateiro é biscateiro e professor... E poeta? Até hoje? que eu saiba ainda não. Assim falou Mascarenhas E entornou um martelinho Dando depois três batidas Na madeira do balcão. Mas sim, gritou o moleque com catinga de notícia que faz dois ou mais de mês que se atirou ali da ponte Da da da Da da da Da da da - Da Cruz! berrou o povo Isso, Cruz aquele tal compunista o o o o O Gonzaga de Jesus! Ah, mas pra que tanta indiscrição! Sai daí moleque gago que ninguem te perguntô Se quem morreu que se matô. Circulando, circulando! Saiu noutro dia Larga manchete no jornal A Sensação: Faleceu o senhor Felisberto dos Santos Souza Silva Neto e Cunha Poeta de puro nome Professor de profissão Nome da rua Almeida Quevedo Esquina com Siqueira Alemão Atropelado ou morto Por anônimo caminhão. Ninguém deu muita atenção.
Não há comentários em Quem foi que matou o poeta (poema)
Quem foi que matou o poeta (poema)
