POR QUE SÓ SE VEEM MOSCAS se debatendo contra um vidro ao tentar sair, mas nenhuma se debatendo do lado de fora tentando entrar? Será que, como supôs Eleonora, o vidro é facilmente permeável ao entrar, mas não oferece saída para quem quer voltar? Atravessar para dentro é fácil, mas quem quiser sair, abandone todas as esperanças. Sair, só se sai morta. Aliás, isso também se dá com as abelhas. Passam invisíveis por poros invisíveis e, quando nos damos conta, lá estão elas zunindo desesperadas contra a parede dura de vidro, querendo sair, sair. Tadinhas. Todo verão a mesma tragédia. Deve ser enlouquecedor vislumbrar a liberdade logo ali, plena, reluzente, vibrante de pólens amarelos e odores doces, mas não poder mais alcançá-la. Tipo aquele senhor que mostraram no Jornal Nacional um dia desses e que foi preso pela Polícia Federal da Áustria: era um velho francês, muito do alquebrado mesmo, que ficou batendo a cabeça branca contra um quadro de Millet exposto no Museu de História da Arte em Viena. Queria porque queria entrar na pintura. Me deixem entrar, me deixem entrar, gritava enquanto os guardas do museu o arrastavam à força a um cubículo. Aliás, e aí vem o mais esquisito da coisa, não era o quadro As Respigadoras, como se poderia imaginar e como escreveram nos jornais do Brasil, romantizando o ocorrido – só o Correio do Povo destoou da imprensa nacional e disse que foi no quadro Angelus. Mas nada disso, a vidraça em que ele se debatia em desespero para retornar não era de serena paisagem, de sol poente, de campos dourados ou costas marítimas, e sim, simplesmente, um autorretrato de Jean François Millet. Que louco! Coisas realmente estranhas se dão neste mundo de moscas, abelhas e homens.
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