ODIAR NÃO ME TERIA SIDO POSSÍVEL. Os movimentos do ódio me desconhecem e a corrente violenta de suas águas passaram por mim sem me molhar. Antes eu tivesse sido também reconhecida e também eu tivesse sido levada e lavada, hoje não estaria aqui nesse deserto, monumento intacto e seco. Tenho sede dessas águas poluídas, fonte da matéria viva, origem dos seres minúsculos e dos dinossauros. Se os movimentos do ódio tivessem me reconhecido, teriam criado um corpo para mim, e meus músculos seriam hoje filhos de suas agitações. Eu teria atravessado as evoluções, teria sido vida e morte e vida, teria sal, teria cor, sofreria. Quem sabe, eu seria agora um urso polar vagando sobre uma balsa de gelo no mar ártico ou simplesmente a boca escancarada de um bebe chorão? Mas não. Tendo sido esquecida, permaneço aqui, eu pedra entre outras, neutralidade muda, em minha forma pré-histórica. Eu pré-pó, eu pré-tudo. Eu quatro bilhões de puro silêncio.

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